data-filename="retriever" style="width: 100%;">Importante instrumento de trabalho dos antigos advogados, a tradicional agenda organiza nossa vida profissional, lembrando-nos dos compromissos diários. Sei que hoje ela foi substituída por meios mais modernos, mas, com quase quarenta anos de profissão, ainda é minha companheira de mesa.
Cada ano que termina exige uma troca e elas vão se acumulando, ocupando espaço nas estantes e revelando a passagem do tempo. Mesmo assim, para mim ainda são úteis, pois sei que nelas encontro alguma anotação necessária, uma data, um evento, uma senha pessoal ou o telefone de alguém. Foi o que aconteceu recentemente. Tirei algumas do armário e comecei a folheá-las atrás de uma informação. Nessa atividade esqueci do tempo e até mesmo o motivo da busca. Agendas de advogados não retratam apenas a história pessoal de quem as possui, especialmente quando nossa área é a do direito das famílias.
Nelas, estão gravados os nomes dos clientes, a primeira consulta, as audiências, anotações sobre depoimentos testemunhais, lembretes sobre o andamento processual. Dramas ou alegrias pessoais onde fomos assistentes diretos e, muitas vezes, responsáveis pela mudança significativa na vida daquelas pessoas.
Nomes que havia apagado de minha memória, mas que, materializados pela minha própria caligrafia, despertaram as lembranças de cada caso. Um difícil processo de divórcio, a busca do direito dos avós, uma emocionante adoção, a retificação de um registro público, o caso inédito da multiparentalidade, o fato inusitado da jovem que descobriu ter sido adotada de forma fraudulenta, as ações de alimentos ou de guarda. Enfim, situações que demonstram que as emoções humanas são valores jurídicos que merecem a tutela do Estado.
Um aluno me relatou que sua avó, no leito hospitalar, ciente de que tinha pouco tempo de vida, passava os dias fazendo anotações na sua agenda. Nela distribuiu cada um dos seus bens pessoais como legados para seus amigos e familiares. Imaginei aquela velha senhora, distante de seu lar, pensando em cada um dos seus objetos, relembrando suas origens e decidindo para quem seriam destinados. Quanta grandeza no seu gesto, quanta atenção dedicada às suas pessoas queridas, quanto desprendimento ao se despedir da vida. A agenda foi seu instrumento testamentário.
Nesses tempos em que a morte impôs a sua presença, temos aconselhado o planejamento sucessório, mas, manuseando minhas agendas, percebi que também é preciso revisitar o passado. Pensar no que foi aprendido com as nossas próprias experiências e também com aquelas lições que foram compartilhadas por aqueles que passaram por nós.
Não sabemos quanto tempo ainda nos resta. Podem ser horas, dias, meses ou anos. No entanto, nosso futuro deve ser construído com base no que aprendemos na nossa vida. Erros ou acertos, mas sempre histórias e lições a serem deixadas como herança. Como no apontamento na minha agenda de 1998: "antes de que o sol se ponha, que a luz se apague, alguém irá partir, para que outros venham, para que outros fiquem".